O brasileiro Daniel Dias, maior medalhista da natação paralímpica do mundo, anunciou nesta terça-feira, 12, que irá se aposentar das piscinas após disputar os Jogos Paralímpicos de Tóquio, em agosto deste ano. Esta será sua quarta participação em Jogos.
O paulista de 32 anos comunicou o fim de sua carreira como nadador profissional por meio de um vídeo em suas redes sociais. Nos seus 16 anos de carreira, Daniel faturou 24 medalhas paralímpicas, enquanto em Mundiais de natação, acumulou 40, sendo 31 de ouro. Já em Jogos Parapan-americanos, foram 33 ouros conquistados em todas as provas que disputou.
É o único brasileiro a ter três Troféus Laureus (em 2009, 2013 e 2016), considerado o “Oscar do Esporte”, em sua estante.
Para relembrar sua carreira e revelar curiosidades sobre o seu futuro, Daniel Dias respondeu a algumas perguntas sobre diversos temas relacionados à sua trajetória vitoriosa. Confira abaixo:
PASSADO
– Como foi que você descobriu a natação?
Eu descobri a natação quando eu tinha 16 anos, ao assistir o Clodoaldo Silva ganhando medalhas para o Brasil durante os Jogos Paralímpicos de Atenas em 2004. Até então, eu não tinha conhecimento sobre o esporte paralímpico. Me interessei e comecei a praticar a natação logo na sequência, e em oito aulas eu já tinha aprendido a nadar os quatro estilos. Foi quando eu percebi o dom que Deus tinha me dado e que estou apenas lapidando até hoje.
– Alguém te incentivou a nadar?
Não exatamente. Meus pais sempre foram favoráveis à prática esportiva e me permitiram tentar de tudo um pouco. Acredito que eu tenha tomado gosto pela natação sozinho mesmo.
– Quando você decidiu ser um atleta profissional? Você teve apoio?
Eu decidi ser atleta profissional em 2005 quando eu participei da primeira competição nacional em Belo Horizonte. Ganhei uma medalha de bronze que significou muito para mim, me provou que eu poderia ir em busca dos meus sonhos. Meus pais me deram todo o apoio possível nesta decisão e sem eles nada seria possível, sou muito grato a eles por terem abraçado esse sonho comigo.
– Como foi a sua infância?
Eu tive uma infância relativamente normal. Sempre fui uma criança muito ativa, brinquei de tudo. Meus pais nunca colocaram limites de realização e capacitação e isso me permitiu vivenciar muitas coisas que hoje vejo que foram essenciais para o meu desenvolvimento, inclusive físico.
– Você sofreu preconceito na escola?
Sofri. Eu era o diferente da escola, acabava chamando a atenção das crianças que nunca tinham convivido com alguém com deficiência. Passei por momentos difíceis por não saber lidar com o preconceito das pessoas. Mas meus pais me explicaram que o preconceito não poderia existir dentro de mim e que eu tinha uma escolha de ser feliz. Quando eu entendi isso, adotei como filosofia de vida e ficou mais leve a situação.
CONQUISTAS
– Você imaginou que ia chegar tão longe e conquistar tudo que conquistou?
Não. Nunca imaginei que chegaria tão longe, nem nos meus melhores sonhos. Se eu tentasse escrever uma carta e fosse ler ela hoje não seria tão perfeito como foi.
– Quantas medalhas você tem no total?
Considerando Jogos Paralímpicos, Mundiais e Jogos Parapan-Americanos, tenho mais de noventa. São 97 medalhas, mais precisamente.
– Como você se sente com três troféus Laureus em casa?
Me sinto lisonjeado de ter este grande reconhecimento internacional. É uma honra para mim. Fico feliz por ter mostrado a capacidade da pessoa com deficiência e de ter levado o Brasil para este patamar no esporte mundial.
– O que está por trás do pódio que as pessoas não veem?
Muito esforço e dedicação. Tenho que me superar diariamente. São as dores dos treinos, a regrada rotina, a abdicação de muitas coisas, inclusive a distância da família. Normalmente as pessoas só prestam atenção no resultado final, mas por exemplo, em média são quatro anos de treinamento intensivo para se chegar à uma Paralimpíada. Muito tempo para nadar alguns segundos. As pessoas também se esquecem de notar que há todo um trabalho em equipe por trás dos resultados. Tenho uma equipe multidisciplinar que me acompanha, ela é composta pelo técnico, preparador físico, nutricionista, fisioterapeuta e médica. Este trabalho integrado tem total impacto na minha performance.
– O que ainda deseja conquistar?
Eu ainda tenho sonhos. Espero que nos Jogos de Tóquio eu possa entregar a minha melhor versão, aprimorando minhas marcas pessoais. Fora das piscinas, eu almejo construir a sede do Instituto Daniel Dias e poder ampliar o atendimento.
– Como você se sente sendo referência e exemplo para tantas pessoas?
Fico extremamente feliz de poder ser um exemplo para as pessoas, sejam elas com ou sem deficiência. Acredito que o importante é transmitir a mensagem de que somos capazes de realizar os nossos sonhos.
– Muitos te colocam como o “Michael Phelps paralímpico”, o que você acha desta colocação?
Sem dúvida nenhuma, o Michael Phelps é um grande atleta e ser comparado a ele me traz muita alegria. Tenho muito respeito por ele, mas eu gosto de dizer que eu sou o Daniel Dias. Tenho orgulho da minha carreira, das conquistas e do que eu meu nome representa para o esporte.
PANDEMIA
– Como a pandemia afetou o seu treino?
A pandemia me afetou completamente. Um nadador precisa da piscina e sem ela não há treino. Me senti um peixe fora d´água literalmente. Me dediquei à preparação física com adaptações de exercícios em casa, mas o treino na água teve que esperar um tempo.
– Como fez para se adaptar ao período de isolamento?
Utilizei os instrumentos que tinha em casa para adaptar o treinamento. Até usei meus três filhos como pesos para alguns exercícios (risos). Acabou que virou uma brincadeira com eles.
– Como foi o retorno da pandemia?
Foi um retorno gradativo. Minha equipe multidisciplinar me acompanhou durante a pandemia e foi ajustando o planejamento técnico de acordo com as fases da pandemia e do rendimento do meu corpo. Felizmente, em junho, eu já estava 100% de volta à rotina.
PRESENTE
– Como está a sua preparação para Tóquio?
Minha preparação para os Jogos em Tóquio está a todo vapor. Já fizemos os ajustes necessários por conta do adiamento do evento e seguimos com treinamentos intensivos. Treino de segunda à sexta na piscina por cerca de duas horas e faço musculação três vezes na semana.
– Quem é a sua equipe multidisciplinar?
Minha equipe multidisciplinar é composta pelo técnico Igor Russi, que inclusive foi o meu primeiro treinador. Pelo preparador físico Fábio Neves, pela nutricionista Juliana Magrini, pelo fisioterapeuta Eduardo Oliveira e pela médica Simony Morais.
– Você incentiva os seus filhos a praticarem esportes?
Sim. Eu acredito muito na ferramenta esporte. Acho que ela transforma vidas, ensina muitos valores e ainda colabora com o bem-estar. Incentivo muito os meus filhos a praticarem esportes. Eles fazem judô, jogam futebol e também aprenderam a nadar, mas mais por uma questão de sobrevivência, não necessariamente para seguir os meus passos.
– Como é o pai Daniel Dias?
Ser pai para mim é a realização de um sonho. É uma grande bênção. Me dedico ao máximo para estar presente, para participar da vida deles e principalmente ser um bom exemplo.
DECISÃO SOBRE APOSENTADORIA
– Por que anunciar a decisão agora em janeiro?
Eu tomei a decisão de anunciar a minha aposentadoria em janeiro para que as pessoas possam curtir o ano junto comigo. Não quero que seja algo triste, muito pelo contrário, quero poder celebrar cada momento e dividir isso com todos que me acompanham.
– O que levou você a tomar essa decisão de parar sendo que nadou o melhor da vida na última competição internacional (Mundial de Londres em 2019)?
Eu acredito que a carreira de um atleta é composta por fases. Vejo que a minha contribuição com a natação já tenha sido excepcional, muito além do que eu esperava na verdade. Acho que posso continuar contribuindo com o esporte de outras maneiras agora.
– A sua decisão de parar tem a ver com as recentes mudanças na classificação funcional da natação?
Não. Já tenho essa decisão tomada há muito tempo, bem antes das mudanças na classificação serem anunciadas. Apenas aguardei pelo momento propício para o anúncio. O motivo central da decisão tem a ver com o encerramento de um ciclo da minha vida como atleta, de sensação de dever cumprido mesmo.
Descrição da imagem: Daniel Dias sorri após receber troféu durante o Prêmio Paralímpicos 2016, realizado no Rio de Janeiro
FUTURO
– Qual a sua expectativa para os Jogos em Tóquio?
Tenho as melhores das expectativas para os Jogos de Tóquio. Fiz a minha melhor marca nos 50m livre no último Mundial e me encontro na minha melhor forma física. Estou treinando forte para entregar a minha melhor versão no evento.
– O que pretende fazer depois que aposentar das piscinas?
Eu pretendo estar mais a frente do Instituto Daniel Dias, quero poder me dedicar mais em sua gestão, pois tenho grandes planos de crescimento para ele. Vou continuar a ministrar as minhas palestras e clínicas de natação e também sigo na atuação como membro do Conselho Nacional de Atletas e da Assembleia Geral do Comitê Paralímpico Brasileiro.
– Qual o legado que você gostaria de deixar?
Eu gostaria que as pessoas sempre se lembrassem de sorrir. O sorriso tem muito poder. Pode mudar o dia de alguém. A vida é tão mais linda com sorrisos, é tão mais fácil encarar os desafios assim. Além disso, gostaria de que as pessoas soubessem de que há uma força dentro delas que é capaz de realizar grandes feitos, que não há o “impossível” quando se trata de sonhos.
– Qual a sua perspectiva de futuro para o Instituto Daniel Dias?
O grande sonho para o Instituto Daniel Dias é a construção de sua sede. Acredito que com este passo será possível ampliar o atendimento e ainda oferecer mais modalidades esportivas. Meu objetivo é que o nosso trabalho de criar campeões na vida seja uma referência no terceiro setor.
– Você ainda tem um grande sonho?
Tenho sim. Estar nos Jogos Paralímpicos de Tóquio será a realização de um sonho, é um momento muito aguardado e por ser minha última competição será ainda mais especial. A construção da sede do Instituto Daniel Dias também é um grande sonho, quero poder fazer mais pelo próximo, com mais estrutura e qualidade nos serviços prestados.
CURIOSIDADES
– Qual é a medalha mais importante para você?
Sem dúvida, a medalha mais importante que conquistei foi a primeira. Um bronze no Campeonato Brasileiro em 2005. Foi um divisor de águas. Esta medalha me provou de eu era capaz de realizar meus sonhos.
– Qual o momento mais marcante de sua carreira?
Tive muitos momentos especiais ao longo da carreira, mas acredito que comemorar a minha 24ª medalha paralímpica nos Jogos Rio 2016, a que me tornou o maior nadador medalhista do mundo, com a minha família toda na arquibancada, foi inesquecível. Foi muito emocionante para mim aquela torcida toda gritando meu nome e eu podendo abraçar meus filhos, esposa e pais.
– O que faria se não fosse nadador?
Se eu não fosse nadador eu gostaria de ser jogador de futebol.
– Qual o seu ídolo no esporte?
Gosto de dizer que tenho grandes exemplos no esporte. Considero o Clodoaldo Silva um grande atleta e pessoa. Aprendi muito com ele, foi minha inspiração para iniciar a carreira e se tornou um grande amigo. Também cito o jogador Kaká, que admiro pela sua postura dentro e fora dos campos de futebol.
– Quanto você treina por semana?
Eu treino de segunda a sexta-feira na piscina, cerca de duas horas por dia. Faço a preparação física na academia três vezes na semana. Não treino mais aos fins de semana, pois entendo que também necessito do treinamento mental. Estar bem psicologicamente é essencial para o meu desempenho e eu encontro esse equilíbrio dividindo parte do meu tempo com a minha família.
– Qual o segredo para ser rápido e ganhar tantas medalhas?
Não acredito que haja um segredo nem fórmula mágica para o sucesso. Existe muita dedicação! Muito treino! A disciplina é essencial para o esporte de alto rendimento.
– Qual a sua maior motivação?
Minha maior motivação é a minha família. Faço tudo pensando neles. Me dedico para ser uma pessoa melhor, um pai melhor e assim ser um exemplo para eles.
– Você tem alguma mania ou ritual antes de competir?
Eu costumo revisar a minha prova mentalmente. Repasso todos os detalhes do nado e presto atenção na técnica. Ah, e também sempre dou uma corridinha no banheiro antes (risos).
– Qual pensamento lhe inspira?
#SorriaPraVida. É a mensagem que eu carrego, pois acredito demais na força dela. Quando escolhemos sorrir, conseguimos mudar o ambiente e deixar tudo mais leve. A vida é uma grande oportunidade de aprendizado, encarar seus dias sorrindo é uma escolha que eu indico, pois me traz paz e coragem.